quarta-feira, maio 26

Céu;

Preciso contar uma historia e toda historia começa mais ou menos da mesma forma:

“Houve uma época em que o mundo era apenas escuridão, o sol era intenso, a natureza bela e ainda sim tudo era escuridão. Antes de existir o homem, antes de existir qualquer outro bicho.
O mundo nada tinha de sentimental, em aspecto algum. Tudo era muito verde ou muito cinza, as estações realmente existiam e o sopro do vento era a musica da terra.
Não existiam sonhos, mas também não existia a desilusão.
Com o tempo a vida começou a reinar, os bichos eram vivos e o agora o mundo parecia girar, não existiam os “seres pensantes”, mas o amor das fêmeas pelas suas crias já era evidente. O instinto dos machos criou a violência e fez brotar nas fêmeas o fascínio pelo macho com melhor gene, o mais forte, mais brutal, que iria dar a elas uma cria saudável e cheia de vigor.
Esse era o mundo, cheio de escuridão, amor, violência e inocência.
Os fracos começaram a aprender que andar em bando era o pouco lucro de sobreviver com suas limitações e os orgulhosos, mesmo que fracos, caiam sobre a terra e serviam de alimento aos fortes e aos espertos e claro, a terra.
Houve uma época em que o mundo era apenas escuridão e o teste estava completo e a ciência da natureza não havia errado até então e estava na hora de criar um bicho que não seria tão rápido quanto os leopardos, nem forte como um urso, mas esse bicho havia de ser mais inteligente que os macacos e mais adaptável que qualquer espécie no planeta. Por ser inteligente essa nova raça saberia como controlar seus instintos, ser independente e estar sozinho quando precisasse estar sozinho e andar em grupo quando a adversidade fosse maior que sua determinação. Aprenderia com suas limitações a ser superior a qualquer outra espécie e assim com certeza, o mundo estaria mais equilibrado.
Logo no começo a natureza viu que tinha errado em algo, as fêmeas ainda amavam suas crias, mas agora de uma maneira muito pior, faziam delas criaturas mimadas e totalmente dependentes, essas não conseguiam controlar o amor. Os machos aprenderam que podiam desenvolver seu corpo e não sabiam da capacidade de pensar. Tudo parou, a terra parou de girar, e a natureza chorou pela primeira vez, o ser novo estava aprendendo com os bichos antigos e o pior, não tinham bom senso algum, mas talvez fosse apenas o começo, nenhuma raça consegue se desenvolver tão rapidamente e então o mundo girou mais rápido, assim talvez tudo desse certo.
Houve uma época em que o mundo era apenas escuridão e a escuridão era vermelha, os machos aprenderam que as fêmeas eram fracas e as tornaram submissas, também aprenderam que de nada servia o intelecto a não ser o de desenvolver novas técnicas para aperfeiçoar o corpo e os preguiçosos e fracos estavam ruindo.
Logo andavam em grupo e aprenderam a se comunicar, havia um jeito de ser melhor que a raça alpha e essa forma era criar armas que evitassem sofrer com a força do inimigo. Era genial, a natureza finalmente se tranqüilizou, agora tudo entraria em equilíbrio, o fraco tinha que ser humilde e dar valor ao que nunca teve.
Como esperado, os fracos ganharam seu espaço e com isso desenvolveram a capacidade de sobreviver em qualquer lugar e ter qualquer mulher e para isso matavam os fortes de sua espécie e devoravam qualquer outro bicho que aparecesse no caminho, o orgulho era maior que a força do leão.
Muito tempo se passou, a natureza sabia que tinha dado certo, essa raça que se deu o nome de “humano” estava desenvolvida e mesmo que a natureza estivesse sofrendo, esta sabia que seus frutos podiam conseguir o equilíbrio, o que a natureza nunca pensou é que ela sempre foi a maior das fêmeas, sempre teve o maior amor e seu instinto era maior que tudo que ela havia criado.
Enquanto isso seu filho se reproduziu por prazer, usou as fêmeas e explorou lugares proibidos. A morte agora era brinquedo, seus filhos se tornaram gordos e os inteligentes, como esperado, começaram a dominar os fracos e os fortes.
Houve uma época em que o mundo era apenas escuridão e o sol estava cansando de brilhar, se esforçava tanto para dar claridade que começou a destruir a pele dos filhos da natureza e como conseqüência até um pouco da própria natureza, mas isso era o de menos, seus próprios filhos a maltratavam covardemente.
Houve uma época em que o mundo era apenas escuridão e que o sol desejou jamais ter que iluminar lugar algum.”

[...
Dois meses antes do mês atual:
- Então Y, você sabe que não somos inocentes, e que a loucura que temos é mais que comum. Você sabe que a felicidade é um detalhe curto de nossos dias e por conta disso te faço uma promessa. Se eu algum dia for feliz por 24 horas, eu posso morrer em paz no dia seguinte, pois sei que estarei no paraíso. Além do que, já vivemos o suficiente pra não acreditar em utopia alguma.
...]

Já estava claro, ele abriu os olhos e tateou o banco perto de seu desconfortável leito buscando seus óculos. A vista ainda turva, então notou algo errado ao tirar os óculos para limpar, tudo parecia limpo e vivo.
Fazia tempo que não se sentia tão bem mas estranhou o fato de não sentir fome pois sempre acordava faminto.
O jovem desceu as escadas correndo e saiu para a rua, pulou os quadrados que demarcavam o chão, se sentia feliz, completo. Brincou sozinho mas ninguém na rua estranhava seu comportamento, o que era bem estranho, pois ele tem uma barba mal feita e não é todo dia que se vê um barbado pulando sobre os paralelepípedos, mas não se importava com o que as pessoas pensavam e tudo que queria era pular.
O rapaz em meio sua loucura se lembrou que já fazia muito tempo que não se sentia daquela maneira, talvez seja apenas uma ilusão da memória de sua infância.
A infância nem sempre é fácil, os pequeninos precisam caminhar lado a lado com a loucura, com a inocência e com a tentativa dos adultos de parecerem retardados ao extremo para arrancar um sorriso de um ser que ri até da própria merda, mas o pior é que na maior parte do tempo os adultos são retardados desmemoriados, sequer se lembram de seus sonhos e suas vontades de criança, talvez seja por conta disso que a natureza tanto chora.
Enfim, essa pequena historia pode parecer trivial, mas é importante para mostrar o quanto somos um reflexo distorcido de nós mesmos.
Voltando ao rapaz, que belo rapaz, ao encontrar uma manga verde no chão se pois a descascá-la com os dentes e em meio a caretas começou a pensar no que ocorre em sua manha ensolarada, o rapaz sempre pensou muito, e nesses pensamentos se lembrou da noite anterior, havia conhecido a lua que iluminava seu céu e estava especialmente feliz e quando notou que todo seu dia estava diferente por conta dessa situação se encontrou em profundo desespero, não recordava o nome do brilho de sua noite, sua única certeza é que não se parecia com o nome de nenhuma das fases de sua brilhante inspiração. Ficou horas parado olhando para o céu, seus olhos ardiam com a intensidade dos raios do sol. Quando a noite começou o rapaz percebeu que a lua não iria aparecer essa noite e que teria que esperar talvez uma semana, que talvez essa semana fosse sua eternidade, mas concluiu que o nome de sua lua era céu, não sabia o porquê, mas céu parecia a palavra mais próxima com o nome do dia iluminado.
Após horas contando estrelas se lembrou que não sentiu fome alguma o dia todo e entendeu tudo que acontecia, em minutos seu alarme iria tocar e ele precisaria de seus óculos, sua disposição e de sua torrada matinal. Então apenas deitou na grama e continuou a contar estrelas.
Após pegar no sono foi acordado por um senhor franzino e foi mais ou menos assim que ele contou:

- Ei meu jovem rapaz, estou te observando dormir há 2 dias, resolvi te acordar pois achei que estava morto.
- Não precisa dizer nada, só te acordei pra saber que a juventude não morre antes da velhice, pode voltar a dormir, você deve estar muito cansado. – Disse o velho abanando a mão de forma graciosa.
- Tudo bem, senhor. –Disse o jovem ainda sonolento- Eu não estou cansado, tudo que estou fazendo é esperar a semana acabar.
- Ao balançar a cabeça o velho espreguiçou seu corpo com as mãos direcionados para possível nome da tranqüilidade do rapaz e disse:
- Meu garoto, eu daria tudo para ter uma semana como a sua, e tudo que faz é dormir ai juntamente aos fantasmas que vagam pelo mundo, pelo menos você dorme com um rosto gracioso.
- erh.. obrigado. – Disse o garoto sem saber quem estava no controle de seu corpo.
- Não precisa agradecer, é fácil parecer tranqüilo e feliz em meio aos zumbis do nosso mundo. – disse o velho gargalhando.
- Sabe garoto, quando eu tinha sua idade eu não dormia na grama e muito menos esperava deitado por algo que eu queria muito. Sempre fui movido por sonhos e ideais e sei o quanto os sonhos me moveram.
- Talvez o senhor tenha razão e eu deva me levantar e caminhar em busca do que me faz feliz, mas sei que não sou um tipo de Deus ou muito menos controlo o universo, então tudo que preciso fazer é esperar essa má fase acabar e sei que serei feliz por pelo menos três semanas.
- Você pode não se chamar Deus, nobre garoto, mas cada um é o Deus de seu mundo, deixe a vontade te mover e você vai perceber que a fase que gosta mais poderá durar para sempre. – Disse o velho com um sorriso de uma pessoa sábia.

Então o jovem garoto abaixou a cabeça por segundos e quando olhou para cima o velho já não estava mais lá.
Foram horas de reflexão, vários humanos passavam por ele e muitos quase pisavam em seu corpo.
Tomou ar e se levantou com rapidez, se sentindo um deus se colocou em uma longa caminhada, em direção à sua zona segura, sua felicidade.
Lembrou-se de quase tudo da noite anterior e sua nova vida fez sentido, realmente seu nome lembrava a palavra céu e após encontrar o velho tudo fazia muito sentido, um deus precisa de um céu para reinar e caminhou descontrolado em direção ao encontro do seu mundo.
Quanto mais caminhava mais seu dia parecia iluminado e em meio a caminhada se lembrou de uma conversa que tivera com um amigo meses atrás e de sua promessa.
Após se lembrar o garoto se pegou rindo e durante seus risos se perdeu nos sonhos que tinha acordado.
Aquela noite foi realmente mágica, nem Hollywood ou o velho Hesse podiam descrever, nem mesmo ele mesmo conseguia e então só podia sentir.
Já haviam se passado quase uma semana que sua procura começou.
Uma semana que não comia nada, não usava o banheiro e não se sentia cansado, apenas eufórico. Sabia que não podia existir um sonho tão profundo e então o sol começou a cair no horizonte e com o sol seu chão desmoronava junto.
Tinha certeza, um sonho não poderia durar tanto tempo e se lembrou da promessa, tentou se tranqüilizar, pois sabia que aquela noite não durou mais que 12 horas, ainda sim nada o tranqüilizava, olhou para as pessoas mas ninguém olhava em sua direção, havia ele encontrado Deus? Sim, o velho era Deus ou um anjo qualquer, e ele estava morto, mas o que importava é que na sua experiência com religião (que era pouca), sabia que ao morrer a alma fica perdida e então alguma entidade se aproxima dessa alma e a auxilia na busca do caminho e da paz.
Velho safado! - pensou.
Deitou sobre as ruínas que o sol carregava pro inferno, estava decidido e não iria mais remar na direção oposta de seu caminho, fechou os olhos e sorriu.
Após algumas horas tomou coragem e abriu os olhos, tateou desesperado atrás dos óculos e nada encontrou, a luz era intensa e seu peito estava cheio de ar, olhou para cima e serrou os olhos, era ela, a fase nova estava ali, fechou os olhos e fez uma nova promessa: Essa noite há de ser eterna pra mim e rasgo meu peito e devolvo meu coração para a terra se essa fase acabar.

Poderia contar como a historia acaba, mas talvez não seja o mais importante nessa experiência.
As vezes o sol queima nossa alma de tanto brilhar, as vezes o sol queima o chão tentando mostrar o caminho e a maior parte do tempo fechamos os olhos achando que o sol simplesmente irá nos cegar. Se esqueçam do que o medo significa e se lembrem desse velho aqui, que já fez parte de muitas histórias.


- Agora me lembro, o anjo se chama céu.


Fim.



Passei metade da madrugada escrevendo e não vou revisar agora, também ninguém deve ler mesmo, mas se alguém perdido cair aqui, desculpe pelos erros.

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